Conversa de fagotista

- adolfo almeida junior -

Adolfo Almeida Jr. é primeiro fagotista na OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) e na UCS (Universidade de Caxias do Sul). É também professor no Conservatório Musical Pablo Komlos da OSPA. Seu fagote é também um assíduo intérprete de música popular, como por ex., com sua participação no grupo "Arthur de Faria e Seu Conjunto" com apresentações em Viena no ano 2000 e no próximo dia 15 de setembro (2006) em Barcelona, na Espanha. Em novembro de 2004 participou como solista no projeto "Um Sopro de Brasil" em São Paulo colocando o fagote em um show ao lado de Paulo Moura, Altamiro Carrilho, Hermeto Pascoal e outros. Sua discografia, que já contava com CDs eruditos (Trio de Madeiras de Porto Alegre e grupo Ex-Machina integrado por compositores) e populares, tem agora também um CD exclusivamente seu, que recebeu o nome de PARADOXOS PARA TODOS.

 

PARADOXOS PARA TODOS, o CD do fagote de Adolfo Almeida Jr.

Logo de início Adolfo vai avisando: "este é um disco de improvisações. Nada foi pré-composto, nem ensaiado, nem combinado. Tudo é improvisado com exceção de "Manequim". Podem-se ouvir "erros", desafinações, desencontros, e "acertos", parece música escrita!".
Se improvisar fosse tocar qualquer coisa, existiriam muitos CDs do gênero. Improvisar não é coisa para quem quer, mas coisa para quem sabe; e Adolfo é um dos que sabe...
Se a gente parte da idéia de que improvisar é compor no ato de tocar, Adolfo nos dá uma fantástica lição de composição, inclusive a muitos compositores que tiveram muito tempo para compor e mesmo assim não tiveram a mesma felicidade de inspiração e realização que Adolfo teve em seu CD.
Noutro ponto Adolfo recomenda: "recomenda-se que o CD não seja ouvido na íntegra sob risco de causar forte estresse musical."
Pois eu afirmo o contrário: cada faixa é um quadro, um novo ambiente, uma nova inspiração, um novo momento, que a curiosidade faz perpassar de imediato todos os "quadros da exposição do Adolfo" (e não causa stresse musical, não!) e só depois voltar àqueles quadros que, numa segunda percepção, vão ser percebidos em outra dimensão...
- se Você é daqueles que ainda não saiu do limite da música tradicional, este CD não é para Você...
- se Você é daqueles que acham que tudo tem de ser bonito e emoldurado, este CD não é para Você...
- se Você é daqueles que tem aversão ao novo e ousado, este CD não é para Você...
- se Você não gosta de se arriscar e tem medo, não ouça este CD...
- mas se dentro de Você existe um pouco de música este CD lhe foi dedicado; é o que fala o Adolfo quando escreve: "dedico este disco ao músico que existe em cada pessoa"...
Adolfo, parabéns pelo projeto, pela realização, pela ousadia e por ter encontrado outros músicos que com Você partilharam essa improvisação e com Você foram capazes de criar no próprio ato de tocar.
Muito mais podia eu falar; mas prefiro que cada um tire sozinho suas conclusões e sinta-se um dos fagotistas naquela música em que o Adolfo faz dueto consigo mesmo, ou naquela outra em que ele sozinho toca oito fagotes e um contrafagote (coisas de estúdio, mas que resultaram fantásticas!)...
E assim termina o Adolfo:
"música é arte, arte é expressão, e expressão é nossa centelha de vida..."

Hary Schweizer

o portal do fagote entrevistou Adolfo Almeida Jr. em agosto de 2006.

 

portal - Em sua atividade musical, o que veio primeiro, o popular ou o erudito?
Adolfo - Primeiro mesmo foi o popular, compondo canções ao violão mal tocado (1974).

 

portal - Como é a convivência destas duas facetas da música?
Adolfo - Depende do enfoque que eu dê à palavra convivência. A convivência do exercício de dois tipos de música eu acho que ajuda. Um ajuda a preparar o outro, a consolidar. Mas a convivência com estes dois universos é meio esquisita. São diferentes e eu opto por uma média, não me sinto nem um músico erudito e nem popular.

 

portal - como se encontrou com o fagote?
Adolfo - Conheci o fagote assistindo aos concertos da OSPA no ano em que iniciei a teoria musical na Escola da OSPA (1975). Eu preferia estudar contrabaixo, mas o maestro que nos dava aulas achou que eu tinha mão de fagotista e eu gostei da idéia, pois o exotismo da aparência e do som do fagote já  me fascinava. Meu primeiro encontro com o instrumento foi em 1975 quando me emprestaram um Heckel antigo na própria Escola.
 

 

portal - Trata-se do fagote Heckel 6304, de 1926, que foi reformado na "oficina do fagote" em Brasília?
Adolfo -  esse mesmo; tenho inclusive aqui algumas fotos deste instrumento, tiradas antes da reforma... se quiser ampliar, é só clicar na foto!

 

portal -  e a partir de então, com quem aprendeu a tocar o fagote?
Adolfo - Estudei fagote na Escola da OSPA (início em 1976) com o prof. Günter Kramm e também fui aluno de Alai Lacour, Ângelo Pestana e Noel Devos em cursos de férias em Brasília e em Blumenau. Concluí o bacharelado em Composição Musical na UFRGS, onde fui aluno de Armando Albuquerque e Bruno Kiefer.

 

portal - A OSPA é uma orquestra de projeção nacional, como é ser fagotista nesta orquestra?
Adolfo - Minha vida está ligada à Ospa; ingressei na orquestra com 17 anos, em 1978, tocando contrafagote. Posteriormente toquei segundo fagote por uns 12 anos e depois assumi o primeiro fagote. É uma orquestra muito ativa que já recebeu muitos maestros e solistas internacionais. Já tive a experiência de tocar acompanhando o Pavarotti e receber uma aula dele para solar "Uma furtiva lágrima", por exemplo. Mas institucionalmente vamos sempre lutando. Já fui presidente da Associação dos Funcionários e representante dos músicos na Direção Artística numa experiência democrática que tivemos.

 

portal - como é seu relacionamento com alunos?
Adolfo - Meu relacionamento com os alunos é muito bom, ultrapassando o mero ensino do instrumento. Sempre discutimos tudo o que é pertinente e todos se enriquecem nesta troca.

 

portal - o que eles mais procuram: tocar fagote ou aprender a improvisar?
Adolfo - Ninguém me procurou para aprender a improvisar, ainda bem, pois não saberia como ensinar. Posso ajudar a praticar a improvisação, mas não ensinar. Assim como se pode aprender a usar o material de pesca, mas pescar mesmo é na prática, não se aprende antes. Quanto aos alunos, somando os fixos com aqueles do interior, que vem quando podem, tenho 8 alunos de fagote, quantidade recorde no Rio Grande do Sul. Sou professor no Conservatório Pablo Komlos, que é o novo nome da Escola da OSPA, que está passando neste momento pela incerteza da continuidade do trabalho.

 

portal - como se dá em Você o ato de interpretar-compor-improvisar?
Adolfo - tenho um interesse genuíno de ser um veículo para propiciar o espetáculo, que é um exercício artístico. E a arte é uma possibilidade fora do convencional da vida, um exercício de imaginação, um meio de mexer com o abstrato, de entrar nas pessoas, lidando com suas mentes. Não importa se isso ocorre interpretando, compondo ou improvisando, sempre encaro com muita seriedade, respeito e entrega para o resultado. (Improvisando tenho noção da responsabilidade e preciso de concentração total).

 

portal - e sua experiência com conjuntos de música popular?
Adolfo - Atualmente toco com o Arthur de Faria e Seu Conjunto ( www.seuconjunto.com.br ) que é um grupo liderada por um cara que faz uma música diversificada, misturando ritmos e estilos. Com este grupo vamos agora em setembro para um festival em Barcelona, e estivemos no ano de 2000 em Viena. O outro grupo, chamava-se Pikardia, era com amigos, mas esse encerrou as atividades. Lá nos anos 80 eu participava do grupo Bosque das Bruxas, onde compunha e tocava flautas e fagote.

 

portal - Existe uma certa história em que seu fagote quase derreteu!...
Adolfo - Este fato eu não gosto de lembrar: em um show em São Paulo fui ao camarim e deixei o fagote encostado num canto ao lado do palco; quando voltei, peguei o instrumento e entrei para tocar. Em cena descobri que a parte inferior do instrumento estava tão quente que queimava a mão, e tinha uma espuma ou gosma nesta parte. Bem, eu quase desmaiei com o fato e sem saber o que estava acontecendo fui tocando com algumas notas falhando e comecei a selecionar e substituir notas por outras dos acordes e assim foi. Depois soube que os técnicos largaram uma daquelas máquinas de fazer fumaça no mesmo lugar do fagote e ele levou aquela fumaça quente que chegou a derreter o verniz do instrumento. Na manhã seguinte me vali da ajuda do João Cuca e sua oficina, que só precisou recolocar uma sapatilha, que tinha sido destruida pelo calor. Posteriormente o Prof. Hary recuperou todo estrago ocorrido no instrumento.

 

portal - Você acaba de gravar PARADOXOS PARA TODOS; como teve a idéia de lançar um CD só de improvisos?
Adolfo - Achei que estava na hora de lançar um CD, e pela aversão de tentar divulgar e ficar na expectativa de um "sucesso", resolvi fazer logo uma coisa que eu gosto e acredito, mesmo sabendo que seria algo anti-comercial. Já que é difícil vender um CD, vou fazer logo um CD de algo que ninguém teve a coragem de fazer por ser invendável. E aí comecei a considerar este trabalho um paradoxo. - Mesmo porque, improvisos livres, música livre, é algo proibido, já que foge aos padrões e anarquiza o estabelecido.

 

portal - quais tem sido as primeiras repercussões?
Adolfo - Muito boas. A crítica da revista eletrônica GAFIEIRAS do dia 25 de agosto foi ótima, assim como o comentário de Hary Schweizer no grupo dos fagotistas (trecho reproduzido no cabeçalho desta entrevista). No dia 4 de outubro farei o lançamento oficial do CD no espaço chamado Estúdio Clio, em Porto Alegre. Vou com calma, distribuindo aos poucos.

 

portal - como foi a experiência de tocar sozinho oito fagotes numa peça só?...
Adolfo - Foi uma experiência muito legal. Considerando que a peça "Manequim" que envolve 8 fagotes + 1 contrafagote era a única obra do CD não improvisada, lamentei não poder ensaiar antes, o que teria sido impossível, já que toquei comigo mesmo e assim o grupo é virtual e não teria como ensaiar. Se tivesse mais grana poderia ter experimentado mais no estúdio para aprimorar a interpretação desta peça, mas foi divertido ouvir um grupo de adolfos. Por outro lado eu me adapto bem a estúdios e sei confiar nos técnicos (quando são bons).

 

portal - ... e a de improvisar com outros músicos?
Adolfo - Foi uma experiência muito boa, onde lidei com o fato de cada um ter uma maneira diferente de se relacionar durante o improviso; e isso foi enriquecedor e muito gratificante.

 

portal - qual a sensação de tocar fagote numa caverna? de quem foi a idéia?
Adolfo - Estive em Santa Cruz do Sul para tocar com a Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro acompanhando o Renato Borghetti e, como fui de carro mais, resolvi visitar um parque da cidade. Lá conheci a Caverna do Índio, que foi escavada pela água há milhões de anos. Acho muito tocante estes lugares ímpares, que nos depõem sobre a história e o destino... Imaginei como seria o som do fagote e como seria inspirador tocar lá dentro. Quando iniciei o projeto do CD, resolvi me aventurar e gravar lá. É bom tocar lá dentro, foi interessante, mas trabalhoso. E achei que o som ao vivo era mais impressionante do que o resultado da gravação.

 

portal - algum conselho aos fagotistas?
Adolfo - Aproveitem este som rico em harmônicos de vosso fagote, deliciem-se!

 

portal - Você dedica o CD ao músico que existe em cada pessoa...
Adolfo - Todas as pessoas tem inteligência musical e portanto pode se dizer que todas tem um pouco de música dentro de si. Algumas usam mais este dom, exercitam, gostam de mostrar o resultado para outras; enquanto outras só usam para compreender as músicas que escutam, para desfrutar as sensações causadas pela música, entre elas a prática da dança. Mas todas que exercitarem a música estarão mais aptas a enfrentar situações em que nosso cérebro precisa de todos subsídios possíveis. Eu acredito que todas as pessoas podem praticar a improvisação musical, cada uma no seu nível de domínio técnico, como exercício lúdico da inteligência musical.

 

portal - e para comprar o CD?
Adolfo - me escreva ou me telefone:  adolfo_fg@yahoo.com.br - 51 3246-7520 - Aproveito para agradecer ao portal e deixar  a todos um grande abraço "paradoxal"!...

 

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