O FAGOTE 

considerações para seu bom funcionamento

Walter Püchner

 

Como instrumentista de sopro em posição de destaque numa orquestra ou ao estudar uma literatura muito exigente, o instrumentista se avalia em seus resultados positivos e negativos. Corresponder a essas exigências não depende só de sua capacidade, mas também do estado de seu instrumento. Entre os sopros o grupo das madeiras é provavelmente um dos mais sensíveis,  que conta com componentes que podem fazer a diferença nos resultados, pois palhetas, por exemplo, alteram-se continuamente. Também a condição técnica do instrumento pode apresentar problemas. O instrumentista é o responsável pela perfeição de seu instrumento. É ele que tem de manter e controlar seu bom funcionamento. Vou enfocar alguns destes problemas e dar algumas referências na localização de defeitos. Quantas vezes, apenas o fato de saber da existência de problemas já faz com que estes quase não mais existam! 

1. Evitar problemas futuros começa no próprio momento da aquisição do instrumento. Os critérios de escolha podem ser múltiplos. Existem hoje em dia no mercado instrumentos à venda que foram construídos de uma maneira muito racional. Economiza-se na estocagem da madeira, pois os necessários 10 anos de secagem natural são um investimento de capital muito alto. Existem métodos que diminuem artificialmente o processo de secagem da madeira. Mas como a madeira é um produto natural, ela se vinga futuramente deste procedimento, que se orienta muito mais pela quantidade do que pela qualidade: empeno da madeira, rachaduras, alteração das medidas da perfuração durante o uso podem ser as conseqüências.

Também a confecção das chaves deveria ser feita de partes justapostas e não de fundição integrada; neste último caso as chaves se deformam, a mecânica bate e não é mais confiável..

O instrumento deverá ser testado antes da compra. Orientar-se a partir dos seguintes quesitos:

  • som cheio e macio; 
  • afinação limpa; resposta leve; 
  • mecânica durável e confiável; 
  • afinação que responda em 443-444 Hz.

No referente à afinação, o ouvido humano freqüentemente já não é um conselheiro fiel, pois uma afinação um pouco mais alta parece ser mais agradável aos nossos ouvidos; e assim dá-se preferência a um instrumento de afinação mais alta. Este fenômeno causou nos dois últimos séculos uma elevação da afinação na música em geral em quase meio tom. Afortunadamente existem atualmente afinadores eletrônicos, que ajudam a controlar e impedem uma elevação ainda maior da afinação.

2. Uma vez adquirido, uma vedação perfeita e permanente é condição fundamental para que o instrumento renda em todas suas potencialidades acústicas. 

Problemas de vedação têm como conseqüência:

  • perda da capacidade de ressonância;.
  • neutralização da amplitude (intensidade da vibração),com conseqüente surgimento de um som abafado;
  • queda do nível da freqüência;
  • o ataque se torna pesado, a execução expressiva se torna impossível. 
  • o som quebra nos pianos, o diminuendo não se realiza;
  • um vazamento nas proximidades da válvula se reflete na região mais aguda com a quebra de algumas notas;.
  • a afinação se torna incontrolável.

Algumas causas de vazamentos;

  • as sapatilhas podem estar gastas;
  • as sapatilhas estão aplicadas unilateralmente;
  • a regulagem da mecânica não está coordenada;
  • as chaves podem estar empenadas;
  • as cortiças das juntas podem estar frouxas;
  • problemas na cortiça da válvula na curva da culatra;
  • madeira muito porosa e não tratada corretamente.

- Os cantos dos furos de cada nota sobre os quais se apóiam as sapatilhas devem ser planos; somente cantos planos vedam; conseqüência disso devem ser as marcas homogêneas nas sapatilhas.

- Teste do vácuo: isolada e separadamente em cada uma das partes do instrumento fecham-se todos os orifícios, como se se fosse tocar a nota mais grave do instrumento;  tapa-se uma extremidade desta parte com a palma da mão e pela outra suga-se o ar, liberando em seguida somente os dedos que estão acionando alguma chave; se o instrumento estiver vedando as sapatilhas ficam "coladas" em seus respectivos orifícios...a chave que se soltar primeiro é a que tem problema de vazamento.

- Uma tira de papel de seda ou de papel-alumínio pode ser o sensor para localizar o lugar exato em que ocorre o vazamento; coloca-se o "sensor" entre a sapatilha e o canto dos furos, pressiona-se levemente a chave e puxa se o papel, que deverá ficar preso; faz-se este procedimento circulando toda a sapatilha; no lugar onde o papel se soltar mais facilmente estará o local do vazamento.

- Qualquer forma de sujeira no estojo de seu instrumento é um risco potencial. É preciso cuidado com este acessório tão menosprezado! Cada sujeira que venha a se postar debaixo das sapatilhas é um possível elemento de vazamento.

- O couro das sapatilhas pode ser poroso, o que pode ter sido causado por produtos químicos usados no tratamento do couro  para amaciá-lo. Neste caso a aplicação de uma fina camada de parafina quente somente na área interna da marca existente na sapatilha pode resolver o problema!

- Com o tempo as sapatilhas ficam duras, causando vazamentos e barulhos; sobretudo a sapatilha da chave "pp" sofre um grande desgaste. Se esta sapatilha sofrer algum dano, o instrumento só funciona pela metade! Recomenda-se trocar as sapatilhas de tempos em tempos e que isso seja feito por algum entendido, que saberá cuidar de todos os detalhes e ajustes...

- O uso do lacre na aplicação das sapatilhas é mais vantajoso do que outros sistemas, pois apenas com um leve aquecimento permite modificar a posição da sapatilha, corrigindo o vazamento.

- O fagote tem ainda a peculiaridade de se servir de uma madeira mais porosa que o oboé a clarineta; assim, se ela não tiver passado por um tratamento adequado poderá permitir um vazamento também através de seus poros. É uma madeira que nunca "viu" uma gota de óleo...   O "banho de óleo" tem três funções:  veda, impermeabiliza e estabiliza contra o empeno.

- Existe ainda o elemento sujeira nos orifícios, que pode alterar a afinação e a sonoridade, causado pelos sistemas de limpeza e pelos resíduos de pó absorvidos pela condensação e que se depositam nos orifícios quase como uma "placa bacteriana" . Raspa-se esta sujeira com um palito quadrado de alguma madeira mole, cuidando que se atinja toda a profundidade do orifício. Em casos mais complicados talvez seja necessário primeiramente amolecer esta sujeira com uma gota de óleo.

- A mecânica do instrumento também precisa ser lubrificada com um óleo não resinoso. Com a ponta de uma pequena chave de fenda deposita-se uma gotinha de óleo em cada ponto móvel do mecanismo. A mecânica se torna mais silenciosa; evita-se a oxidação. Na mesma oportunidade pode-se fazer uma aplicação de óleo nas molas.

- As chaves também agradecem uma limpeza periódica, o que não só torna o instrumento esteticamente mais bonito, mas sobretudo dão a esta camada galvanizada de prata ou de níquel  uma vida mais longa.

Trechos de palestra proferida por WALTER PÜCHNER no Conservatório de Moscou em fevereiro de 1990, em tradução de H. Schweizer

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