CORREIO BRAZILIENSE, 1º de março de 2006
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MÚSICA A singeleza de um baixo soprado Nahima Maciel Da equipe do Correio
É esse mesmo resumo biográfico estampado nas linhas acima que o fagotista tentou contar nas 21 faixas do CD Com licença!…. Eclético nos gêneros e na origem dos compositores, o disco é o primeiro de Hary. “E o último”, avisa. As dificuldades que rondam a produção de discos independentes não motivam o instrumentista a seguir adiante. Mas resultam em trabalho de singular delicadeza e coesão. “É um disco para ouvir como se folheia um álbum de fotografias. É um pequeno retrato autobiográfico. Não é virtuoso porque não sou um virtuoso”, avisa o fagotista. Pode não haver virtuosismo algum, mas certamente estão ali 50 minutos de melodias contemporâneas carinhosamente lapidadas, sem excessos e nada enfadonhas. Para começar, Com licença!… foi inteiramente gravado com fagotes construídos por Hary. Quebra uma possível – ainda que remota – monotonia do instrumento solo a participação da pianista Elza Gushikem, do baterista Paulo Marques e dos também fagotistas Gustavo Koberstein e Flávio Lopes Figueiredo Júnior. O quinteto, completado por Hary, está presente em grande parte das faixas, ora na formação integral, ora desmembrado. Abre o disco a faixa-título Com licença!…, composição do maestro Júlio Medaglia, um presente para Hary. “Foi escrita especialmente para o CD e é a única faixa que congrega todos os músicos envolvidos”, conta. A faixa seguinte, Ária, um trecho da Bachianas brasileiras nº 5, de Villa-Lobos, é talvez a mais conhecida do disco. Gravada inúmeras vezes com os mais diversos arranjos, a cantilena tem trecho escrito originalmente para voz. É onde se encaixa o sopro do fagote, acompanhado unicamente pelo piano. O efeito é simples e contribui para ressaltar a melancolia contida na Ária. Na seqüência, uma pequena jóia: Lua branca, a parte melódica e singela do conjunto Duas miniaturas brasileiras, de Chiquinha Gonzaga. Novamente o fagote assume o lirismo do canto que originalmente acompanha os instrumentos. Entremeados ao popular e ao erudito brasileiro estão três composições de Achim von Lorne, professor de Hary durante os anos de estudo na Alemanha. As peças são inéditas e foram escritas para o próprio instrumentista em forma de estudos. Dois tangos de Emílio Terraza e uma modinha de Francisco Mignone completam o repertório, que tem ainda Brejeiro, de Ernesto Nazareth, e três curiosidades. Jobim É um mistério o interesse de Tom Jobim pelo fagote, mas é fato que o instrumento atraiu sua atenção. Mágoas de fagote é uma pecinha curta, não passa de dois minutos, na verdade o rascunho de uma composição inacabada, segundo Hary. Em Com licença!… ganhou a primeira gravação. Os ares de marchinha têm acompanhamento da bateria, discreta mas ritmada por trás do fagote. Mais adiante, O fagote encontra o jazz, do alemão Andreas Herkenrath, anuncia o pendor jazzístico de Hary. O fagotista toma a liberdade de transpor o colorido jazzístico para a Sonata em mi menor de Benedetto Marcello, compositor italiano do século 18. “Todas essas peças foram escolhidas em cima da minha história de vida: eu aprendendo, ensinando e construindo. E no final senti vontade de encontrar o jazz”, explica. O lançamento de Com licença!…, marcado para abril, será acompanhado de um curta-metragem de Dora Galesso sobre a atividade de Hary como lutier. O pequeno documentário mostra os passos da fabricação do instrumento. O processo é inteiramente artesanal e demorado. Hary leva em média um ano para construir dois fagotes. E se envolve desde a colheita da madeira até o polimento das chaves laterais do instrumento, hoje distribuído para todo o Brasil. |
Evolução do instrumento O fagote é instrumento que não pode faltar em uma orquestra. É dele a função de baixo contínuo na formação sinfônica. Nos conjuntos de sopro também é instrumento imprescindível. O fagote começou a ganhar destaque na música barroca graças aos experimentos do italiano Antonio Vivaldi, no século 17. Nessa época, tinha atuação mais limitada na orquestra. Sua função era exclusivamente a do baixo, sem voz principal. Vivaldi investiu em composições que tiravam o instrumento do segundo plano. E Mozart acentuou o destaque, ao escrever um concerto para fagote e orquestra e dezenas de octetos e quintetos, já no século 18. Grande parte do repertório é orquestral, mas há boa literatura em que ele aparece para travar melodias solos. “Uma vida inteira não daria para tocar tudo”, garante Hary Schweizer. O instrumento é formado por um longo tubo de madeira, com 18 chaves e oito orifícios laterais que controlam os tons e constroem as notas. ____________________________________________________ COM LICENÇA!… Primeiro CD do fagotista Hary Schweizer. Com Elza Gushikem (piano), Paulo Marques (bateria), Gustavo Koberstein (fagote) e Flávio Lopes Figueiredo Júnior (fagote). 21 faixas. R$ 25. Pode ser adquirido pelo site www.haryschweizer.com.br **** |