conversa de fagotista

-  o fagote nosso de cada dia  -

o portal do fagote, inspirado numa mensagem de e-mail enviada por Maria da Graça Oliveira-Plümacher ao grupo dos fagotistas na internet, solicitou a diversos fagotistas que falassem um pouco de seu "caso" com o fagote, o instrumento nosso de todo dia... aqui as respostas daqueles que corresponderam à solicitação!

 

 

 

        ANTONIO PAULO FILHO

 

            mensagem redigida em 2012 e resgatada por Elione Medeiros em 2022

  

 

 História de um Fagotista aposentado

 

      Por ocasião de meu ultimo Concerto com a Filarmônica do Estado do Espírito Santo, no dia 13/06/12, o maestro Helder me fez contar para o público presente o seguinte episódio: (ele achava este acontecimento um barato).
      Para um  melhor entendimento devo dizer que sou NEGRO.

Portanto, aí vai:

      Estava eu com apenas dois meses de fagote, o instrumento ainda super justo para montagem e desmontagem, aquela dificuldade que todos conhecem. Mesmo assim o Maestro da época, Mário... queria que eu tocasse com a Orquestra em uma cidade do interior do Espírito Santo, pois o Fagote daria um charme maior a Orquestra. Era um instrumento pouco conhecido, ainda mais no interior do Estado, até então a Orquestra não tinha fagote.

Obs: No dia que fiz este relato no Theatro Carlos Gomes cometi a gafe de falar o nome da cidade onde aconteceu o fato. No final do Concerto uma pessoa que me cumprimentou foi justamente a Secretária de Cultura da Cidade onde o fato tinha ocorrido, eu não sabia que ela estava presente...

Continuando: tentei convencer o Maestro com várias alegações, mas não teve jeito; tive que viajar. Saimos de Vitória com horário de tocar às 18:00 horas no cinema da cidade, que na época não tinha Teatro.  Às 16:00 passamos o som para sentir a acústica. Voltamos ao hotel para troca de roupa, quando alguém da comissão da cidade foi avisar que era para o pessoal da Orquestra jantar primeiro, pois havia alteração e o Concerto começaria às 20:00. Pois bem, jantamos e só conseguimos chegar no cinema exatamente às 20:00. Foi uma correria só. Nos posicionamos para tocar, já na afinação foi uma enorme dificuldade; as pessoas faziam um barulho tremendo e por incrível que pareça só tinha homem na plateia. Assim mesmo o Maestro começou a reger a Abertura Carmen, mas não foi além dos dez primeiros compassos, pois o barulho do povo era ensurdecedor, alem de um coro de "SAI DAÍ, SAI DAÍ"...ele parou sem entender nada,  até que um funcionário do cinema falou com o Maestro: "MAESTRO, O CONCERTO DA ORQUESTRA ESTAVA MARCADO PARA AS 18:00. O PESSOAL QUE AQUI ESTÁ VEIO PARA ASSISTIR UM FILME PORNÔ". O Maestro rapidamente mandou a Orquestra sair pois temeu até pela integridade física dos músicos. Meu estojo do fagote, por falta de lugar disponível, foi acomodado debaixo da minha cadeira. Com aquela inabilidade de um Fagotista iniciante tentei desmontar ali mesmo o instrumento...De repente me vi sozinho no palco e alguém da plateia gritou: "SAI DAÍ, MUSSUM, NÓS QUEREMOS É VER MULHER PELADA". Eu sai correndo do jeito que deu...

      
        Abraço a todos/as  Antonio Paulo  (Toninho)
       

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MARIA DA GRAÇA OLIVEIRA-PLÜMACHER

(em mensagem enviada ao grupo dos fagotistas em 6 de julho de 2007)

 

fui aluna do Hary em Brasília, e moro hoje na Alemanha. Tenho acompanhado essa discussão sobre que fagote comprar ? É difícil saber a resposta certa, mas vou contar ao grupo o que me aconteceu quando comecei com o fagote:

"Primeiro tive que dividir um fagote Schreiber com um colega em Brasília, o Afrânio. Como ele estava inscrito no curso de fagote e eu no de piano (eu tinha o fagote como segundo instrumento), eu só pegava no instrumento quando ele não precisava, o que nunca me atrapalhou nos estudos.

Depois apareceu um fagote de plástico (sem estojo) americano da firma LINTON. Comprei-o, pois precisava de um e de mais horas de estudo. Acabei tocando muito com esse fagote, ele tinha um som pequeno, mas era o único à minha disposição. Depois que o colega Afrânio conseguiu um fagote melhor, pude pegar novamente o Schreiber, com o qual comecei e depois de poucos anos me formei na classe do Prof. Hary.

Vim para a Alemanha sem fagote, com a intenção de economizar o máximo possível e aprender o que pudesse, para mais tarde, poder comprar o meu. Depois de poder emprestar um fagote Püchner da Musikhochschule onde estudei (Universidade de Música na Alemanha), entendi que o instrumento é importante , mas não “o mais importante”. Depois de economizar muito e trabalhar também, consegui comprar meu Püchner.

Ou seja pra que toda essa história? Para mostrar para vocês que o mercado de fagote no Brasil triplicou, se não me engano. Vocês tem um fabricante de fagotes no Brasil, que é muito bom, faz reformas muito boas e o preço é em conta. Sem falar nos outros fagotes usados que andam por “aí”. Gente, não percam tempo em querer comprar só os “bons” e caros fagotes alemães. Vocês estão perdendo tempo! e mais tarde verão que o mais importante, é ter um bom professor e muitas horas de estudo...

Agradeço ao Hary pela ajuda que sempre me deu e pela sua capacidade de “concertar” tudo, pois foi assim que ele começou com seus fagotes."

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ARIANE PETRI

 

"Nasci numa cidadezinha de 35.000 habitantes na Alemanha. Aos treze anos de idade, eu já estava bem adiantada no piano. Meu professor, que era tanto "músico completo" quanto pianista  fazia muita questão que eu fizesse música de câmara; e de fato, eu curtia muito acompanhar no piano os meus amigos e colegas instrumentistas. Além disso, ele me levava para os ensaios do coro dele, que ao final de cada projeto agregava uma orquestra arregimentada.  Assim cresceu a vontade de tocar em grupo, em orquestra. Com os meus treze anos eu já sabia que ia levar a música a sério e descartei desta forma o estudo do violoncelo (para o qual eu sentia o maior respeito) e de qualquer outro instrumentos de corda, porque me sentia "velha" demais para tentar correr atrás do atraso em comparação com meus colegas que tinham iniciado os estudos geralmente aos 8 ou 10 anos de idade. Sobraram os instrumentos de sopro: Flautas, tinha "como areia no mar" na orquestra da Escola de Música daquela minha cidadezinha. Já que a idéia era tocar em orquestra, não quis competir com tantas flautas... Já oboés eram raros, e fagotes nem existiam, mesmo porque a escola ainda nem tinha professor de fagote. Eu, muito alta para minha idade, comecei a me identificar com esse instrumento longo, que para mim era exótico - e ainda trazia a vantagem de tocar na mesmo região do violoncelo.

Ao comentar isso com meu professor de piano, que era também o diretor da Escola, ele prometeu arrumar um professor para fagote, mas isso ia demorar um pouco. Olhando para trás, acho surpreendente que eu não pensei em procurar um professor na capital do estado, Stuttgart, que afinal só fica a 30 km ou meia hora de trem daquela cidadezinha.... Mas, de fato as condições naquela cidadezinha nunca tinham deixado faltar nada, e portanto era quase que "natural" que a Escola ia completar também o quadro de professores. Afinal, após um ano, a Escola  contratou um ótimo professor de fagote e comprou dois instrumentos, colocando-os à disposição dos iniciantes: Eram da marca Amati, comprados ainda antes da contratação do professor. Lembro até hoje o desapontamento do meu professor de fagote em relação a essa compra, porque achava que com um pouco mais podia ter feito uma compra bem melhor. Um deles ficou comigo por cerca dois anos.

A troca de instrumento se deu da seguinte maneira: Como o avanço no fagote se dava de maneira bem rápida (afinal, o "terreno" já estava preparado pelo piano, pelo coro, pela música de câmara), meu professor logo pediu uma conversa com os meus pais. Assunto: compra de um instrumento. Eu assistia a essa conversa um tanto constrangida, porque pouco antes eles já tinham comprado para mim um piano bom (e caro...). A agora era a vez do fagote, que tinha que ser um Püchner, porque com esse eu ia longe... E meu pai deu um suspiro fundo, olhou para mim e falou: "Bom, então vamos começar a juntar dinheiro de novo." Aí se passou mais um ano (para mim de muita ansiedade), fomos para a fábrica, o meu professor experimentou uns cinco fagotes. Algumas horas depois, aos meus 16 anos, me sentia o máximo como dona de um Püchner que me acompanha até hoje. A "estréia" deste instrumento foi oficializada algumas semanas depois, quando "vencemos juntos" o concurso "Jugend Musiziert" (Jovens Musicistas).

Talvez essa história pareça um tanto linear, como se tudo tivesse acontecido sem problemas ou complicações, quando comparado à dificuldade de acesso de ensino e aquisição de instrumento de muitos brasileiros.  Com certeza foi de uma importância incrível poder contar com a compreensão dos meus pais, que (mesmo sem tocar nenhum instrumento) sempre me apoiaram nestas minhas "necessidades". E o mesmo agradecimento eu devo aos meus professores desta primeira fase de aprendizado, que souberam abrir os caminhos para mim e zelaram pela qualidade.

Foi este o começo de tudo!"

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   OTÁVIO AUGUSTO MARTINEZ

 

"Foi uma paixão aterradora...

Começou na minha infância, na verdade...

Eu a vi de longe... Estávamos no Teatro Municipal de São Paulo; ela dobrava-se amorosamente nos braços de um senhor, e a ele murmurava doces lamentos; ele, por sua vez, com os olhos cerrados, concordava ardorosamente com suas palavras lentamente movimentando a cabeça. Não sei como eu conseguia ouvir seu murmúrio em meio a tanto barulho, mas eu a ouvia perfeitamente! E ao ouvir sua voz aveludada, meu coração se rendeu àquela senhora de estranho porte.

Passado algum tempo, eu, um garoto de apenas 11 anos, fui em busca dela, mas não a encontrava. Porém, um belo dia, estando no mesmo teatro onde a vira pela primeira vez, encontrei o homem que era seu amante, e logo perguntei quem era a bela dama que fazia companhia a ele naquela noite de ópera. Ele respondeu sorridente: - "Ela é minha esposa, Frau Schreiber. Você gostou dela?" Eu fiquei enrubescido, relutei em responder, mas em minha inocência, respondi que sim!

Aquele senhor que tinha um narizinho com a ponta vermelha, ostentava na face uns óculos com grandes aros cintilantes, abraçou-me e sentou-se a meu lado, dizendo: - "Frau Schreiber é muito velha e muito grande para você, menino. Por que você não namora Miss Armstrong?" (apontando para ela, que estava tranqüilamente sentada na cadeira a frente). Eu até que gostei de Miss Armstrong! Ela era delicada, jovial, tinha um corpo reluzente, uma silhueta frágil, sua voz era suave como o uivar dos ventos, como o canto dos pássaros... Mas também dava gritos estridentes quando ficava nervosa!

As minhas primeiras conversas com Miss Armstrong eram truncadas, era necessária muita sutileza no trato... Até que um dia eu descobri o ponto de equilíbrio para nossa relação... Aprendi a amá-la, a ponto de, ao estarmos juntos, parecermos um só corpo aos olhos dos que nos vislumbravam.

Entretanto, devo ser sincero, não esquecia Frau Schreiber...

Um dia, sem que Miss Armstrong soubesse, fui ter com o senhor do nariz de rena, e ansiei por ver Frau Schreiber. Ele, sempre sorridente e compassivo, chamou-a para junto de nós; sentamos em sua sala, comemos bolo de cenoura e tomamos chá de morango, enquanto conversávamos a respeito de meu romance pueril por aquela distinta senhora alemã. Ela não falava português, e nossa conversa fora intermediada pelo senhor do nariz de rena... Eles até que tentaram tirar da minha cabeça aquilo, mas não conseguiram.

Fui resoluto! Insisti em afirmar meu romance por Frau Schreiber... Até que ela teve uma brilhante idéia, que foi comunicada através de seu esposo: - "Frau Schreiber tem uma sobrinha que está vindo da Alemanha, você não gostaria de conhecê-la? Ela é idêntica a tia em todos os quesitos, porém mais nova". Eu me animei com aquela perspectiva e fiquei no aguardo da chegada da moça.

Logo contei toda verdade a Miss Armstrong, e para minha surpresa, a americaninha delicada consentiu humildemente com minha 'bigamia'."

http://ocontistacronico.blogspot.com/2006/08/eu-frau-schreiber.html

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    HARY SCHWEIZER

 

"Sempre gostei de música. Se ia fazer dela minha profissão, nem sempre estava definido; caso contrário não teria primeiro tentado alguns semestres de filosofia, nem outros de letras. Até que desembarquei na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Limitada na oferta de cursos, nela me sobrou apenas a opção de estudar piano. Gostava muito de orquestra, sonhava até em tocar um dia numa. Num dos cursos de verão em Curitiba, na época em que Roberto Schnorrenberg os dirigia, surgiu a oportunidade... como que num estalo! O professor de teoria estava atrasado; para ganhar tempo um dos alunos, estudante de fagote, abriu o estojo e começou a estudar. Não sei quem foi este anjo em minha vida! Pensei comigo e decidi: é este o instrumento que vou tocar. E para reafirmar minha decisão, naquela mesma noite Noel Devos apresentava o concerto de Mozart, K. 191. O problema era conseguir o fagote. Ele estava numa das gavetas da Escola de Música, doação da Embaixada da Alemanha, e ninguém sequer sabia. Fagote na mão, estudar com quem? o professor de oboé, quase um amador, foi quem por dedução de som e posições me ajudou nos primeiros dedilhados. Depois São Paulo, com Gustave Busch (ia para lá de 15 em 15 dias); mais tarde Alemanha, Munique, com Achim von Lorne. Ele, como professor num festival de música de Ouro Preto cometeu a "imprudência" de falar que se um dia eu fosse à Alemanha, ele daria aulas para mim. Pois bem, seis meses depois, sem bolsa, com a cara e a coragem, bati à porta dele. Eu não me arrependi, acho que ele também não. Através dele, que tocava um Puchner, cheguei ao meu primeiro instrumento, também um Puchner.

E quem diria, vendendo discos numa loja em Munique, atendi brasileiros da Universidade de Brasília, que precisava urgentemente de um professor de fagote. Foi o contato necessário e certeiro. Seis meses depois estava eu contratado como docente na Universidade. E nesta atividade, à qual me dediquei em transmitir aquele pouco que eu tive tempo de aprender, consegui formar alguns alunos que ocupam posições de destaque no cenário nacional e internacional.

E depois veio aquela idéia um tanto absurda de fazer fagotes à base de "prego e martelo", num gesto de pura improvisação e ousadia... Desde então só toco meus fagotes, quase sempre no último que ficou pronto, para testar e fazer os ajustes necessários antes de vende-lo. Somente depois de ter gravado um CD, o tão falado "Com licença!..." é que decidi ficar com o fagote com o qual fiz a gravação. Portanto toco agora o "SCHWEIZER 45". É este meu "caso de amor" pelo fagote... Muito mais coisas sei e gosto de fazer, mas como nosso assunto aqui é o fagote, fiquemos nele, se bem que todos falem muito bem da cachaça que curto destilar de tempos em tempos..."

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