obras de compositores brasileiros

para fagote solo

dissertação de mestrado, UNI-RIO, 1999

ARIANE PETRI

 

MIGUEL, RANDOLF (*1961, Visconde do Rio Branco, MG)

Melos 41 (08/09/1993, Rio de Janeiro)

Dedicada a Noël Devos

Obra estreada em 29/09/1993, no XVI Panorama da Música Brasileira Contemporânea, na Escola de Música da Universidade do Rio de Janeiro, por Noël Devos

Partitura em manuscrito

Gravação não-comercial (versão para fagote) da estréia, com Noël Devos, no arquivo pessoal do compositor, e uma gravação em CD da transcrição para clarineta: ‘Música Brasileira para clarineta e piano.’ RIO ARTE DIGITAL, RD 009, 1996. Artista executante: José Botelho

Em três movimentos:

A obra existe em três versões (ou ‘estágios de composição’), nas quais o andamento indicado para o primeiro movimento difere, além de haver, da versão I para a II, mudanças em relação à escrita rítmica (duplicação de valores) a partir da seção central, mudanças mantidas na versão III.

A versão I é a estreada e registrada na Biblioteca Nacional, a versão II, a gravada por José Botelho, e a versão III, a última, é a que o compositor prefere.

Primeiro movimento:

versão I: Allegro (MM colcheia=176)

versão II: Andante (MM semínima=106)

versão III: Moderato (MM semínima=±120)

Andante (MM semínima=84)

Allegro (MM semínima=160)- Lento (MM semínima=72) - Tempo primo

Duração: total netto da versão III: 4’30’’: I - 1’30’’, II - 1’30’’, III - 1’30’’

Nesta peça em idioma tonal livre, o processo composicional é o mesmo para os três movimentos, compostos a partir de segundas e terças. Quando existem intervalos maiores, que somente uma vez ultrapassam um trítono, eles são em seguida ‘compensados’ por segundas ou, mais raramente, por terças, sempre na direção contrária ao intervalo anterior. O resultado é uma obra bastante equilibrada, cujas passagens com trabalho em semi-tons ocorrem em contexto tonal. Os três movimentos começam no registro médio, descem para o ‘ponto culminante inferior’, a nota mais grave no final do primeiro terço do movimento, para depois, no último terço, subir para o ‘clímax’42, ponto mais agudo. Esse procedimento, exposto por Guerra-Peixe em seu livro Melos e Harmonia Acústica é adotado, segundo Miguel, em toda a sua obra.43 Não são indicadas ligaduras de fraseado ou de articulação. O fraseado se delineia naturalmente pelas pausas e, onde não há staccato indicado através de pontos na nota ou notas repetidas, vale o que Miguel pediu, a partir da versão II, no pé de página: sempre legato, ou, para o segundo movimento, legato. O material sonoro apresenta-se, em muitas passagens, em movimentos cujos saltos intervalares, se reorganizados, formam escalas contínuas.

Exemplo 19:  

                       

1º mov., c. 53-55.1.1.1 (da versão II ou III) e reorganização em escala

O andamento indicado originalmente, na versão I, para o primeiro movimento, era muito rápido. Incluia fusas em staccato, a colcheia equivalendo a MM=176. Como pudemos constatar através da gravação da estréia, Devos, que, na época, teve como partitura de referência a que hoje representa a versão I, diminuiu significantemente o andamento dos compassos finais da parte introdutória, para depois, quando se iniciam as fusas, continuar meno, possibilitando, assim, a execução. Miguel, que percebeu esse problema, reduziu, na versão II, a velocidade das partes central e final (c. 45.2-65), duplicando os valores das notas (a fusa se torna semicolchia, a semicolcheia colcheia etc.) e ao mesmo tempo fazendo equivaler a semínima a MM=106. Porém, com isso, o movimento tornou-se um Andante e seu caráter mudou demais, o que gerou a versão III, em andamento semínima MM=120. A verve rítmica da peça foi recuperada, sem que sua execução ficasse por demais dificultada. A nosso ver, a versão III ganhou, quando comparada à versão I.

Do ponto de vista técnico, o andamento indicado para o terceiro movimento, semínima=160, também é bastante rápido e continua igual desde a versão I. Alguns trechos prolongados de semicolcheias podem ser executados em legato, outros exigem o staccato, o que torna necessário o uso da língua dupla. Esta é a dificuldade que chama mais atenção. O processo composicional empregado na peça, o trabalho com segundas, impede a ocorrência de saltos amplos; a extensão fica entre fá 1 e si 3 e a dinâmica indicada é perfeitamente executável. A peça foi a avaliada em nível intermediário II.

Na resposta à nossa carta circular remetida aos compositores no início da pesquisa, Miguel foi um dos poucos que mostrou preferência por um dos sistemas de fagote. Ele respondeu que a obra “foi imaginada para o fagote de Noël Devos” e, com isso, para a sonoridade do fagote francês. Porém, mesmo considerando as diferenças técnicas, constata-se que ela funciona igualmente bem nos dois sistemas.

Como nos falou o compositor,44 esta obra tem para ele um significado especial, porque foi uma das últimas que pôde mostrar a Guerra-Peixe, que a elogiou muito. Miguel, na época, era seu discípulo e escolheu o título da peça em homenagem ao livro do mestre, ‘Melos’.

41 Existe uma transcrição (posterior à versão para fagote) do próprio compositor para clarineta.

42 Expressões usadas pelo compositor e encontradas no livro de GUERRA-PEIXE, César. Melos e Harmonia Acústica. Princípios de Composição Musical. Rio de Janeiro: Ed. Opus 1988, contendo orientações para a construção melódica e harmônica.

43 MIGUEL, Randolf. Comunicação pessoal. 12/11/1999.

 
 

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