Conversa de fagotista

- elione alves de medeiros -

 

Elione Alves de Medeiros é natural de Recife, onde começou seus estudos na escola de Belas Artes com Mário Câncio. Depois em Brasília, teve aulas com o professor Helman Jung. Já aluno da UnB (Universidade de Brasília) teve a orientação de Hary Schweizer. Foi membro fundador da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Em 1979 ingressou na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo sido seu primeiro fagotista-solista até o ano de 2005; foi membro do Quinteto Villa-Lobos  de 1980 a 1997. Com esse grupo gravou obras de Piazzolla registradas no CD "Piazzollando". Graduou-se em fagote na UFRJ, sob a orientação de Noël Devos. Em 1990 tornou-se professor de fagote e de Música de Câmera da UNIRIO. Em 1995 concluiu Mestrado em Fagote pela UFRJ. Por todo esse tempo, tem atuado como solista à frente das principais orquestras do Rio de Janeiro, e como camerista em diversos grupos musicais.

 Como professor ministrou aulas nos cursos de férias de Brasília, Londrina e Campos do Jordão e Master Class com recital no I Encontro de fagotes do Nordeste. Atuou como professor e recitalista no II festival de Música de Câmera de João Pessoa, no I Festival Internacional de Música de Natal e no Festival de Música de Montenegro, RG. Atuou também como recitalista e coordenador do Festival de Música de Câmera de Curitiba, versão 1999.

 

portal - Quais são atualmente suas atividades relacionadas ao fagote?

Elione - Atuo como 1° fagote solista e chefe de naipe da OPS Orquestra Petrobrás Sinfônica), além de ser Presidente da Diretoria Artística da mesma. Dou aulas de fagote e música de câmara na UNIRIO; além disso, esporadicamente toco com algum grupo de câmera ou ainda na OSTM, quando acontece algum evento operístico ou de ballet com produção.

 

portal - Predileção por alguma dessas  atividades? 
Elione - A OPS tem me dado mais prazer.

 

portal - Vida de fagotista é possível?
Elione - Ainda acho possível. No Brasil existem lugares ao sol para os fagotistas que se empenhem em executar seu instrumento com dignidade. Mas não é fácil, lembrando que já foi muito pior! Hoje temos muitos recursos, temos até quem fabrique o instrumento no Brasil. Temos facilidades de obter acessórios para o fagote. Quando comecei a estudar tinha de esperar horas para chegar minha vez de pegar o fagote da Escola de Belas Artes, pois havia apenas 2 fagotes para 7 alunos!

 

portal - Como se deu sua escolha pelo fagote?
Elione - Eu não escolhi o fagote, escolheram para mim; o fagotista e professor Mario Câncio me levou na Escola de Belas Artes de Recife e, mostrando um fagote no canto de uma sala, me disse: "Aquele  é o instrumento que você vai estudar".

 

portal - Como é seu relacionamento professor/aluno?
Elione - procuro deixar o aluno bem à vontade, busco conhecê-lo psicologicamente para poder ajudá-lo a desenvolver sua capacidade. Me preocupo muito com a base que o aluno deve construir para desenvolver sua técnica. Me considero muito paciente a fraterno. Mas na hora de "apertar" eu procuro chamar o aluno a razão.

 

portal - Como é ser fagotista num estúdio de gravação?
Elione - Eu acho difícil no que concerne a questões sonoras, geralmente o operador de som desconhece o instrumento e não sabe tratá-lo acusticamente. Por outro lado, os arranjadores na sua maioria não sabem escrever para o fagote por falta de familiaridade. Geralmente são arranjadores de música popular. Porém tive alguma sorte com outros músicos que souberam arranjar bem para o fagote tratando-o com criatividade musical, utilizando sua capacidade técnica.

 

portal - Noel Devos e Francisco Mignone são dois nomes aos quais Você tem uma ligação muito estreita...
Elione - Devos foi meu professor aqui no Rio e costumo informar nos currículos que me formei na UFRJ sob a orientação artística de Devos, porque a técnica e a base sólida que tive e que me possibilitou entrar como primeiro fagote no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1979 eu a obtive com Hary Schweizer. Mignone foi tema da minha Dissertação de Mestrado sobre as 16 Valsas para fagote solo, e isso tem um a relação estreita com Devos, que também me orientou no Mestrado. Pude também ter a chance de trabalhar com Mignone como regente na OSTM.

 

portal - Seu nome aparece cada vez com maior freqüência no circuito internacional...
Elione - Pois é, eu tive o privilégio de dar aulas em Caracas para uma classe de excelentes alunos e agora em abril estarei dando um recital na Embaixada do Brasil em Berlim, depois irei para Londrina ministrar o curso de férias de julho. Creio que devo isso a uma fase boa da minha vida, ao reconhecimento das pessoas que me dão essas oportunidades, pois pouco faria se dependessem exclusivamente de mim a promoção ou a busca de algo em meu proveito profissional. Estou empolgado nesse ano e quero também gravar as 16 valsas para fagote solo de Mignone, o que fará parte de uma pesquisa de doutorado futura.

 

portal - e seu concerto a acontecer em Berlim?
Elione - Esse concerto está me dando a possibilidade de estudar como nunca! Vou tocar 4 valsas de Mignone (Mistério, Macunaima, Valsa-choro e 6ª valsa brasileira), além disso tocarei Kuru de Angélica Faria. Com o pianista tocarei Desafio 12 de Marlos Nobre e os 3 estudos de Siqueira, tocarei também a Ária de Bachianas 5, isso porque o pianista ouviu a versão fagote/piano no CD "Com licença!..." de Hary Schweizer, se entusiasmou com a versão e fez questão que eu a colocasse no repertório. Esse recital é dividido entre mim e o pianista que tocará também algumas valsas de esquina do Mignone, e faremos uma comparação entre essas valsas e as para fagote; vai ser interessante, o recital todo fica entre 70 minutos. Minha participação será de 45 minutos. Fico apenas preocupado como as palhetas irão reagir! Já fiz umas 35 palhetas!

 

portal - 35? não é demais?
Elione - coisa de fagotista...

 

portal - Sei de seu interesse e curiosidade pelos meandros da alma humana...
Elione - Tenho uma formação espiritualista, sem misticismos, mas voltada para uma filosofia de vida que busca a compreensão natural da vida, seu rumo infinito e seu comportamento nessa e noutra dimensão. Creio que não somos daqui, e que ninguém veio para esse mundo apenas para comer a sobremesa.

 

portal - Quando eu (Hary) comecei minhas atividades na Universidade de Brasília em 1977 eu era um fagotista recém-formado e Você um ávido aluno. Como conseguiu sobreviver ao fato de ter sido "cobaia" de minha inexperiência?
Elione - mais do que ser cobaia, acredito que fui um sortudo! Você estava recém formado e recém chegado da Alemanha, cheio de entusiasmo para ensinar o que havia aprendido com seu professor Achim von Lorne. E eu seu primeiro aluno! Confesso que o meu entusiasmo superava o entusiasmo que vejo nesses alunos daqui do Rio e ainda me lembro da minha primeira aula no seu apartamento recém alugado na Asa Norte, e quase sem mobília, Mathias seu primeiro filho ainda era recém nascido, e Sofie sua esposa nem falava português..

 

portal - algo mais?
Elione - Acho que já falei o bastante... quem se interessar pode ler um pouco de meus artigos:

A SONORIDADE DO FAGOTE

FILOSOFANDO SOBRE MINHAS PALHETAS

TRAÇOS INTERPRETATIVOS E O CANTABILE NAS VALSAS DE MIGNONE

EDIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS "16 VALSAS PARA FAGOTE SOLO DE F. MIGNONE

 

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