ORIGEM E EVOLUÇÃO TÉCNICA DO FAGOTE

capítulo 1

 do curso de extensão universitária ministrado na UFRJ,

agosto/setembro de 1966

NOEL DEVOS

 

A invenção do fagote data do século XVI. Foi um padre italiano, Afrânio Dégli Albonesi, quem teve a idéia de juntar duas bombardas (o baixo do oboé, na época), formando um novo instrumento, ao qual deu o nome de fagote. Assim, o fagote é na realidade o baixo do oboé e o seu histórico, antes do séc. XVI, é o mesmo desse instrumento. Desde suas primeiras aparições na arte ocidental, que datam dos séculos XII e XV, o oboé passou por grandes transformações. Neste período ele se alonga e toma o nome de bombarda. Mais tarde será um baixo desta bombarda que, dobrado em dois, dará ao fagote a sua forma primitiva. Paralelamente à bombarda, apareceu no século XV um outro instrumento de palheta dupla chamado cromorne, que de sua forma característica se origina talvez o oboé d'amore. Da mesma época do nascimento do fagote podemos citar a serpente (uma mistura de bombarda e cromorne) cuja forma humorística, bastante engenhosa, permite a aproximação das chaves. O primeiro fabricante de fagote foi Basilius, mas quem deu a sua forma definitiva foi o alemão Sigismund Scheltzer, no começo do séc. XVII, chamando-o "dulcine fagotto" ("dulcine", porque este instrumento se caracterizava pela emissão de sons doces). Michel Praetorius nos assinala a existência de uma família inteira de fagotes, que se estendia sobre cinco oitavas.

O fagote que no início só comportava quatro chaves, passou por aperfeiçoamento, deram-lhe os nomes mais diversos, como por exemplo, courtaud, raketen, cervelas e outros mais. Desde 1875, no entanto, ele passou a se chamar fagote. E o seu mecanismo se desenvolveu até chegar a possuir vinte e duas chaves. E é quando começa a ser empregado nas bandas militares, nas Gardes Françaises, nos Uhlaus do Marechal de Saxe e nas bandas russas sob o reinado de Pedro, o Grande. Na França, no séc. XVIII, existiam fagotes como os usados hoje nas orquestras sinfônicas e outros com um volume maior de som, empregados certamente nas bandas militares. Um destes fagotes de som volumoso era chamado de fagote russo, e possuía um grande pavilhão em metal semelhante ao dos trombones. Cambert foi um dos primeiros compositores a empregá-lo em sua orquestra, no ano de 1671. Mas seu papel se limitava a alguns baixos, para sustentar o conjunto ou tocar em uníssono com os cantores ou instrumentos como contrabaixo e violoncelo. À medida que a técnica do fagote foi se aperfeiçoando, foram-lhe confiando obras mais ou menos importantes. Um dos concertos de Johann Christian Bach foi escrito para fagote. Vivaldi escreveu mais de vinte que foram editados ultimamente sob a orientação de Malipiero. Em todas as suas composições Mozart o empregou de uma maneira genial. Nas suas sinfonias e música de câmara explorou todos os recursos do fagote, para o qual escreveu dois concertos (destes o mais conhecido e tocado é o em si bemol).

O fagote tornou-se, portanto, instrumento clássico da orquestra sinfônica, ocupando no quarteto de madeiras o lugar do violoncelo no quarteto de cordas. Daí em diante os compositores passam a usar o instrumento com maior freqüência e escrevem obras difíceis, que exigem do fagotista grande virtuosidade. Na orquestra sinfônica moderna são empregados três fagotes e um contrafagote (que é um fagote afinado uma oitava abaixo). Entretanto existem obras que necessitam de maior número desses instrumentos. Na França, por exemplo, no começo da terceira república, o compositor Lesuer utilizou dezenove fagotes no seu Hino Patriótico.

Como primeiros virtuoses do instrumento podemos citar os nomes de Shubert, Ritter e Jadin. Haydn também tocava fagote e o avô de Rimsky-Korsakov era fagotista na orquestra de São Petersburgo. O fagote foi introduzido como instrumento solista em Paris no ano de 1735 pelos irmãos italianos Besozzi  e depois por Eichner.O primeiro grande virtuose do instrumento na França foi Etienne Ozy, que estreou como solista nos "Concertos Espirituais" em 1779.

O fagote atual é feito inteiramente de madeira, com um mecanismo metálico composto de 22 chaves. Um dos pontos característicos do instrumento é sua palheta dupla, semelhante à do oboé e a do corne inglês. Enquanto a clarineta possui uma embocadura feita de uma só palheta, a do fagote é composta de duas lâminas de madeira fina. As duas partes, flexíveis, batem uma contra a outra, sob a ação do jogo de ar. O som que daí resulta é amplificado ao passar pelo tubo do instrumento. O comprimento total do tubo é de aproximadamente dois metros e cinqüenta centímetros. Como já dissemos antes, é um baixo de bombarda dobrado em dois (com a curva em U); uma das extremidades de um desses tubos é recurvada (em forma de S) para permitir uma maior comodidade ao instrumentista. Nas gravuras dos séc. XVI, XVII e XVIII podemos ver músicos tocando bombarda e cromorne com embocadura de trombone. Mas no fundo dessa embocadura se encontra uma palheta fixada sobre o tubo, de modo que ao soprá-la vigorosamente a palheta vibra como se fosse soprada diretamente pelos lábios. O fagote não é um instrumento transpositor. Ele é afinado em dó. Sua extensão é considerável e vai do si bemol abaixo do dó grave do violoncelo até o fá, três oitavas acima.

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