EVOLUÇÃO ARTÍSTICA DO FAGOTE

capítulo 2

 do curso de extensão universitária ministrado na UFRJ,

agosto/setembro de 1966

NOEL DEVOS

Rimsky-korsakov

 
 

A criação da obra "Scheherezade", no ano de 1910, em Paris, trouxe uma certa notoriedade ao fagote. A instrumentação rica e variada de Rimsky-Korsakov dava à sonoridade e ao timbre deste instrumento um relevo todo especial. Mas o que representava o fagote nesta época? Era, sem dúvida, um instrumento indispensável, tocado por bons artistas. Mas ainda não conseguira o favor do público. Falava-se mesmo que o seu papel era, quase exclusivamente, o de caracterizar o cômico e o grotesco. Alguns raros amadores o aplaudiam em reuniões de música de câmara para instrumentos de sopro. Os solos e cadências confiados ao fagote em Scheherezade foram logo notados pelos ouvintes de concertos. E durante muito tempo Scheherezade pareceu concretizar o máximo de virtuosidade para os fagotistas. Daí em diante o público de concertos começou a se familiarizar com o timbre do instrumento, mostrando já um certo interesse em ouvir e aplaudir os virtuoses do fagote. Aparece então Stravinsky com sua "Sagração da Primavera", cujo difícil solo de fagote no início da obra, fazia tremer os solistas do instrumento. Com o esforço do executante para se adaptar a esta técnica mais avançada e tocar bem um solo tão difícil, o fagote deu mais um importante passo à frente (ouvir o trecho do solo de fagote).

Depois, as estações de rádio e o disco se encarregam de divulgar e popularizar instrumentos pouco conhecidos como este. Também os técnicos de eletrônica notaram a facilidade com que a sonoridade dos instrumentos de sopro se submetem às ondas. O som puro destes instrumentos são fáceis de serem captados. Outros fatores que favorecem a exploração do fagote são: a exigüidade do espaço dos estúdios, o pouco tempo disponível, os meios econômicos - fatores estes que exigem a formação de pequenos conjuntos de timbres variados. Os compositores condicionados por tais exigências, faziam com que o fagote continuasse a sua ascensão e tomasse o seu merecido lugar. Hoje o músico que deseja se dedicar ao instrumento já conta com numerosas oportunidades. Poderá ser solista, fazer música de câmara, integrar uma orquestra sinfônica, etc. E o instrumento já lhe proporciona as satisfações artísticas que ele procura.

Um outro ponto, muito importante que desejo abordar é o problema da idade para se começar a estudar fagote. Geralmente é entre os treze ou catorze anos que a criança começa a estudar, dependendo das condições físicas e musicais do candidato, (porque é preciso pensar no peso do instrumento, no tamanho das mãos - os dedos devem atingir todas as chaves sem dificuldades - na formação dos lábios e na capacidade pulmonar). Será sempre perigoso que uma criança, em pleno crescimento force seus pulmões frágeis. Se ela começa a estudar muito cedo, deve ser seguida de perto, orientada e aconselhada para não se cansar. A propósito, falaremos de uma outra peculiaridade relativa aos instrumentos de palheta dupla. Os pulmões trabalham sob pressão, como para o funcionamento de uma gaita de fole. Para tocar forte ou piano é necessário que haja sempre uma certa quantidade de ar nos pulmões afim de dar ao som uma pressão constante. Esta quantidade de ar nos pulmões perde pouco a pouco o oxigênio e se sobrecarrega de gás carbônico - e isto só pode fazer mal ao organismo. O instrumentista deve se habituar a respirar bem e frequentemente. Uma respiração que deve compreender: a) expiração do ar viciado; b) absorção do ar; c) oportunidade de relaxamento dos lábios.

Vimos que, no decorrer de sua evolução, o fagote passa por diversas etapas de aperfeiçoamento. Existiram numerosas formas e tipos de instrumentos. Grandes, para as músicas militares; menores e mais finos para a música de câmara; de dimensões intermediárias, para a orquestra sinfônica. Hoje existem dois tipos distintos de fagote: o de tipo francês e o de tipo alemão. O francês, com diâmetro menor, de som mais doce, região aguda cantante, e emissão mais leve facilita a técnica, ainda mais com a disposição racional e simplificada das chaves. Já o de fabricação alemã possui um diâmetro maior, o som é mais volumoso e exige mais precisão e cuidado na preparação das palhetas. Seu sistema de chaves é mais complicado e menos racional. Também são fabricados fagotes alemães com mecanismo francês (mesmo assim estes fagotes são menos fáceis para a agilidade técnica e no agudo a emissão é mais difícil). Tudo isto, no entanto, é uma questão de ponto de vista. Existem virtuoses de fagote na escola francesa e na escola alemã. Nada impede que se toque musicalmente, tanto numa como noutra. Fazer música é o que interessa antes de tudo. Como os compositores escrevem em função dos instrumentos e instrumentistas que eles conhecem, pode-se perceber que as obras musicais de cada país possuem, musical e tecnicamente, características próprias.

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