A RESPIRAÇÃO

capítulo 4

 do curso de extensão universitária ministrada na UFRJ, agosto/setembro de 1966

NOEL DEVOS

 

 

Na aula de hoje trataremos de um assunto que interessa aos instrumentistas em geral e particularmente aos de sopro. Este assunto, de grande importância, e ao qual já foram dedicados vários tratados, é muito pouco comentado nos métodos de instrumentos de sopro.

O conhecimento profundo do sistema respiratório, seu mecanismo, sua função, seu desenvolvimento e dificuldades (nervosismo, contração, medo, calma, domínio de si mesmo, etc.); higiene e ginástica respiratória;maneira certa e errada de respirar, todos estes são problemas que mereciam ser estudados profundamente. E isto, infelizmente, não podemos faze-lo aqui, em virtude de ser necessário muito tempo para as explicações.

Pode-se dividir a respiração de duas maneiras: respiração fisiológica e respiração artística. A respiração fisiológica pode ser: clavicular, costal e abdominal (esta última realizada com o uso do diafragma). Para cada uma dessas respirações existem exercícios apropriados para desenvolver os músculos correspondentes. Evitarei de entrar em minúcias e detalhes técnicos. Quero lembrar, no entanto, uma coisa essencial: o instrumentista deve saber empregar o volume total de seus pulmões.

Quanto à respiração artística, seria interessante estabelecermos inicialmente um paralelo entre a coluna de ar, o sopro do cantor e o arco dos instrumentos de corda. Para os instrumentos de corda admitimos que a expressão é produzida (pelo menos) por 2/3 de arco para 1/3 da mão esquerda. Daí vem a importância dada à técnica do arco. Ao passo que muitos livros já foram escritos sobre esse assunto, nos métodos atuais para canto ou instrumentos de sopro não existem senão vagos conselhos sobre a respiração - o que é estranho, pois ela representa a condição inicial e essencial para uma boa execução. Admitamos que o arco seja a "respiração" do violino e as crinas, em seu comprimento e largura, a sua coluna de ar. Não é difícil, depois de estudos e observações minuciosas, formar uma técnica de arco. Isto porque o arco é visível, nós o seguramos e o manobramos sem perder de vista o seu jogo. E é uma espécie de aparelho respiratório a descoberto. Já não acontece o mesmo com o aparelho respiratório humano. Nos instrumentos de sopro, por exemplo, não existe essa facilidade, pois a coluna de ar é uma crina constantemente renovada. E temos de manter no nível dos lábios um impulso regular de ar. Este resultado só pode ser obtido com a prática do son filé, exercício do qual não se fala muito atualmente, mas é importantíssimo, tanto do ponto de vista psicológico como fisiológico. Do ponto de vista psicológico o son filé é uma concentração profunda sobre um ponto exato, determinado, ao se procurar a qualidade do som (não um som qualquer, muitas vezes artificial, fraco, sem consistência ou com um vibrato agitado e contínuo).

Ao falar em vibrato, convém lembrar uma frase do grande flautista francês Taffanel: "o vibrato é a expressão dos que não tem expressão". Isto quer dizer que não se deve considerar o vibrato por si mesmo, ou procurar antes de tudo o vibrato. Pelo contrário, ele deve vir naturalmente. Ao cantar mentalmente as notas que executa em seu instrumento, como fazem os verdadeiros cantores. Não se dirá mais que o instrumentista vibra e sim, canta. Este vibrato produzido pelo sopro não será mais aquele sistemático, agitado, feito com os lábios do executante e que produz uma expressão vazia e de mau gosto.

Não se deve dar à coluna de ar senão a largura e intensidade exigidas pela fonação. Esta pressão constante do sopro corresponde ao que os violinistas chamam de "conservar o arco colado à corda". E quanto mais reduzidas forem as dimensões, mais a expressão será controlada. Um mínimo de apoio para o máximo de som. E quanto menor o esforço físico mais fácil será a execução das grandes dificuldades. Todo e qualquer músico intérprete, que baseie sua técnica e virtuosidade em sua própria respiração, achará sempre uma correspondência essencialmente humana em seus ouvintes.

Um músico deve ser capaz de respirar um ritmo, nele se integrando ao mesmo tempo que o exprime. Está aí o segredo da expressão dos grandes intérpretes. Eles conseguem uma verdadeira comunhão com os ouvintes através deste elo comum da compreensão humana: a respiração. E toda uma sala respira com o artista, num mesmo ritmo; e percebendo o ritmo em sua totalidade, torna-se acessível à harmonia que dele se desprende.

_______________________________________________

 

 

 

outros capítulos do curso de extensão:

 

página inicial